A vida é a arte do desencontro
A vida é a arte do desencontro". Cabe a nós, deambulantes, deslindar os nós a que nos propomos ou que o destino nos propôs. Cabe a nós, almas errantes, cortar o fio que nos conduz se assim o entendermos, para isso temos a razão: decidir: deslindar ou romper. Porém há vezes em que a razão é toldada por algo indecifrável, desgraçadamente poderoso. Estanques, em nós, por dentro, já nem o próprio pensamento controlamos e as palavras vagueiam incoerentes, soltas, libertinas (não livres, antes presas, muito presas, prisioneiras, escravas). Todo o ser se transforma, o próprio olhar muda. Brilha desmesuradamente. Cega camufladamente. O sorriso sorri impertinentemente sem motivo aparente. O pensamento descontrolado permite ao sorriso sorrir sem que tivesse perguntado à mente.
Perdidos, nesta arte de desencontros que a vida é, vivemos, sem saber se vivemos mesmo ou se apenas projetamos nesta vida o esboço de um desenho inacabado, o tronco de uma árvore qualquer, a asa de um corvo, a cor num pincel, uma tela em branco, vazia, um livro por folhear, desfolhar se a raiva deixar, uma canção por cantar, um poema por fazer, dizer, morrer, um filho por ter, um amor por viver, vinho por beber, mergulho por dar, vestido por vestir, grito por gritar, abafado, mudo. A vida é a arte do desencontro. Cabe a nós deambulantes, deslindar os nós a que nos propomos ou que o destino nos propôs.